Relembre alguns dos principais momentos do movimento que tomou conta dos EUA e mostrou o rock inglês para resto do mundo

Ninguém poderia dizer que um movimento de garotos de famílias humildes de Liverpool tentando fazer música acabaria se tornando um marco definitivo na história da música mundial e da cultura pop, mas foi exatamente o que aconteceu. O skiffle, ritmo que misturava blues, jazz e folk e era tocado principalmente com violão, banjo e instrumentos improvisados como tábuas de lavar roupas e garrafas de vidro, era o que movia os jovens do país naquela época.

Entre os grupos que atraíam atenção da comunidade de Liverpool no final dos anos 1950 estava The Quarrymen, com Paul McCartney, John Lennon, George Harrison e Stuart Sutcliffe em sua formação mais importante e que acabaria originando The Beatles, líderes pioneiros do que ficou conhecida como Invasão Britânica nos Estados Unidos da América.

O movimento dos Quarrymen de mudar de som e atitude conforme seu interesse em expandir horizontes musicais crescia e o rock’n’roll se tornava cada vez mais uma parte de suas vidas não foi feito só por eles e, no início dos anos 60, a região de Liverpool estava repleta de bandas de garotos replicando o som de Chuck Berry, Elvis Presley, Little Richard e outros artistas norte-americanos que tocavam nas rádios pirata da época.

Além das apresentações na sua região, os Beatles também passaram alguns anos em turnê pela Alemanha, onde fizeram nome na cena local e foram aprimorando suas habilidades como músicos e também com o público. Durante esse processo, o grupo conheceu Brian Epstein e George Martin e foi com eles ao lado que os Beatles como o mundo conhece hoje começaram a tomar forma.

Com o lançamento de Love Me Do (1962), o quarteto, agora em sua forma definitiva com John Lennon, Paul McCartney, George Harrison e Ringo Starr, fizeram sucesso no mercado doméstico e em pouco tempo se tornaram uma febre nacional entre os jovens do país inteiro, fenômeno que ficou conhecido como Beatlemania.

A Invasão Britânica começa enfim com a chegada dos Beatles em solo americano no ano de 1964 e o marco inicial desse movimento é a apresentação da banda no The Ed Sullivan Show, que foi assistida ao vivo por 73 milhões de pessoas e levou todo o país a bordo do movimento que já havia varrido o Reino Unido e o resto da Europa.

The Beatles - © Walt Disney Studios

Com o sucesso avassalador dos Beatles nos Estados Unidos, um caminho inédito foi aberto para que outras bandas de rock do país pudessem trilhar e construir público por lá. Rolling Stones, The Kinks, The Zombies, The Dave Clark Five, The Animals, Yardbirds, The Who são apenas alguns dos nomes que aproveitaram essa oportunidade para expandir suas atividades para o mercado norte-americano.

À medida que a Beatlemania tomava os Estados Unidos e, por consequência, o resto do mundo, a música vivia um momento de ruptura. A mídia especializada, naquela época tomada de jornalistas que não necessariamente se importavam com o que acontecia entre os jovens, que precisou se adequar ao ritmo em que as coisas aconteciam e às novidades.

Para além disso, o formato de bandas de quatro membros (guitarras principal e base, baixo e bateria), comum aos grupos da época, acabou se estabelecendo até hoje como o formato padrão para bandas de rock. O que conhecemos como cultura pop hoje em dia começava a tomar forma ali, conforme grupos e mais grupos de músicos ingleses tomavam as paradas de sucesso norte-americanas.

Poucas bandas tiveram tantos músicos proeminentes passando por seu line up como os Yardbirds, Eric Clapton, Jeff Beck e Jimmy Page entre eles. A princípio uma banda com grande influência de blues, especialmente depois da entrada de Eric Clapton, os Yardbirds começaram a sentir o gosto do sucesso com For Your Love (1965) que também foi o motivo da saída de Clapton por se tratar de uma faixa que fugia dos ideais do músico de como a banda deveria soar.

No lugar de Clapton entra Jeff Beck, que traz suas experimentações com efeitos de guitarra para os Yardbirds e traz ao grupo um frescor responsável por torná-los ainda maiores e mais importantes para a cena que se construía na época tanto no próprio Reino Unido como no movimento da invasão britânica acontecendo nos EUA. Com a entrada de Jimmy Page, primeiro no baixo e posteriormente na guitarra, eles se juntam à onda psicodélica que surgia timidamente e participaram da turnê dos Rolling Stones nos Estados Unidos, mas o sucesso comercial da banda entraria em declínio logo depois, na contramão do seu impacto simbólico.

Lançada em setembro de 1964 pelo The Kinks, You Really Got Me acabou se tornando um dos atos precursores do hard rock, do punk e até do metal, tanto por causa da velocidade da música e do uso de powerchords, como pelo som das guitarras que só foi alcançado com modificações nos amplificadores usados pela banda na gravação. Apesar do começo promissor, o voo dos Kinks na invasão britânica termina de maneira precoce, depois deles serem proibidos pela Federação Americana de Músicos de rodarem o país em turnê por causa de seu comportamento errático e, por vezes, violento tanto em cima do palco como em programas de TV.

Ainda assim, eles continuaram em atividade em seu país natal, experimentando e buscando novos sons; o fim precoce da participação dos Kinks na Invasão Britânica não os impediu de alcançar status inegável de uma das bandas mais importantes daquela época e grande influência até os dias atuais.

Em contrapartida com a fama de bons moços engomadinhos dos Beatles, impulsionada pela maneira como Brian Epstein gerenciava a banda, The Rolling Stones acabou se tornando a outra face da Invasão Britânica. A presença de palco marcante de Mick Jagger junto às guitarras de blues guiadas por Keith Richards (além da potência criativa da dupla) ajudaram a levar I Can’t Get No Satisfaction (1964), Get Off My Cloud (1965) e Paint It Black (1966) ao topo das paradas de sucesso em todo o mundo. Aftermath (1966), o primeiro álbum dos Stones inteiro de composições próprias, tornou-se um símbolo da contracultura e foi a peça final na ascensão da banda ao estrelato, colocando-os em pé de igualdade com os Beatles em matéria de fama e relevância.

O lançamento de Revolver (1966) pelos Beatles veio acompanhado do anúncio de que o quarteto não se apresentaria mais ao vivo. O cansaço deles com a agenda sempre cheia (turnês, filmes, agendas de divulgação, gravações, etc.) juntou-se à complexidade cada vez maior de suas músicas e os Fab Four acabaram decidindo se aposentar dos palcos. As experimentações que podem ser notadas no álbum, entre arranjos orquestrais, uso de instrumentos indianos e efeitos sonoros explicam a decisão tomada por eles que marcou o início do fim da primeira era da Invasão Britânica.

The Who - My Generation live 1967

iosonofederico

Enquanto os Beatles tomavam o mundo de assalto em 1964, o The Who sacudia a cena Mod no Reino Unido com suas performances intensas e só acabariam chegando ao público norte-americano após 1966, depois de uma aparição no Monterey Pop Festival. Mesmo tendo se beneficiado do caminho trilhado por artistas como Beatles e Stones, o The Who não buscava a mesma sonoridade roqueira e, mesmo em suas eras mais experimentais e psicodélicas, não acompanhavam o que parecia ser tendência entre esses nomes.

A preocupação da banda com sua música como parte de um conceito que eles queriam apresentar ao mundo fez com que eles se definissem como uma banda art-pop. O sucesso absoluto deles só veio com Tommy, de 1969, já bem distante da cena do rock britânico que chegou aos EUA no meio da década.

Os anos 70 trouxeram o fim definitivo dos Beatles e uma nova onda de bandas como Led Zeppelin e Black Sabbath se preparava para, em breve, trilharem esse mesmo caminho rumo aos Estados Unidos. A Invasão Britânica consolidou o rock inglês como algo pelo qual a Inglaterra seria reconhecida até hoje. Se os EUA ainda têm alguma resistência ao som feito em sua antiga colônia, o resto do mundo reconhece o país como berço de várias das mais importantes bandas da história da música.