Uma das maiores vozes femininas do rock’n’roll e da soul music faleceu dia 24 de maio aos 83 anos.

Uma tigresa, uma leoa, uma pantera... Todas essas comparações felinas podem soar muito clichês, mas caracterizam perfeitamente Tina Turner, que faleceu em 24 de maio de 2023 em Küsnacht, Suíça, não muito longe de Zurique. Sem essa grande mulher, que nasceu em 26 de novembro de 1939 com o nome de Anna Mae Bullock, diversos cantores de rock, R&B, soul e funk nunca teriam nascido. De Betty Davis a Beyoncé e Macy Gray, todos pagaram uma cota para a Tina Turner Inc.

TINA (2021) Official Trailer | HBO

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Tina Turner era uma vocalista poderosa, uma espécie de tsunami cantante que era capaz de torcer o pescoço de uma palavra, frase ou refrão para torná-lo seu. Ela também era uma mulher forte e emancipada, uma pioneira do ativismo feminino simbolizado por seu relacionamento complexo e violento com o marido, o talentoso, porém limítrofe, Ike Turner, com quem gravou vários álbuns maravilhosos. Por fim, houve seu retorno inesperado na década de 1980, durante a qual ela explodiu os recordes, lotando estádios e até cinemas, principalmente em seu carismático papel de Aunty Entity em Beyond Thunderdome, o terceiro episódio da saga Mad Max, do australiano George Miller.

Antes de alcançar o sucesso, Tina Turner viveu uma infância complicada no Tennessee com pais que não a amavam. Criada por sua avó, ela escreveu em sua autobiografia Me, Tina, publicada em 1986, que era uma criança indesejada. Quando pequena, sua voz ressoava nos bancos da igreja nos fins de semana e nos clubes de St. Louis com sua irmã. Uma noite, seu caminho cruzou com o de Izear Luster “Ike” Turner Jr., que era oito anos mais velho que ela.

Para Anna Mae, o choque foi instantâneo e, em 1957, juntou-se à banda desse jovem compositor, criador de um R&B nervoso com alma de rock’n’roll. Com o single A Fool in Love, de 1960, o público descobriu a mulher que agora se chamava Tina em vez de Anna e arranhou cada sílaba de sua voz já estrondosa como nenhuma outra. O sucesso foi tão grande que Ike rebatizou seu show de Ike & Tina Turner Revue, que passou a incluir os Kings of Rhythm e um grupo de cantoras de apoio, as Ikettes. Durante os anos 60, apenas o show de James Brown se equiparava ao poder e ao carisma de Ike e Tina juntos. Mesmo nas paradas, o casal teve uma série de sucessos em uma série de gravadoras diferentes.

Ike & Tina Turner Revue "Proud Mary" on The Ed Sullivan Show

The Ed Sullivan Show

Em 1965, o produtor Phil Spector também foi enfeitiçado pelo casal e quis produzi-los o mais rápido possível. Na primavera do ano seguinte, ele gravou sua mítica wall of sound no single River Deep – Mountain High, cujo sucesso abriu as portas para o reconhecimento internacional. Ike e Tina participaram da turnê dos Rolling Stones no Reino Unido em 1966 e, um ano depois, Tina se tornou a primeira artista negra a aparecer na capa da revista Rolling Stone! O início da década de 1970 foi igualmente próspero e, com o cover de Proud Mary, do Creedence Clearwater Revival, eles alcançaram seu maior sucesso. O repertório também incluía muitas outras músicas de rock visceral (Rolling Stones, Beatles, Led Zeppelin) que a voz de Tina e a guitarra de Ike tornaram próprias. Quanto aos álbuns, eles gravaram uns vinte discos, inclusive o brilhante Workin’ Together, lançado pela Liberty Records em novembro de 1970.

Nos bastidores, no entanto, a história não era tão animadora e o comportamento violento de Ike com sua esposa e seu uso desenfreado de cocaína levaram a uma separação inevitável em 1976 e a um divórcio dois anos depois. Agora como artista solo, Tina Turner continuou a gravar e a se apresentar, mas a situação a esgotou e o público começou a se distanciar dela, vendo-a mais como uma artista do passado, uma artista ultrapassada...

Tina Turner - Lets Stay Together (Official Music Video)

Tina Turner

Em 1983, no entanto, a Capitol Records assinou contrato com ela e o cover da brilhante Let’s Stay Together, de Al Green, que Tina Turner gravou, foi um enorme sucesso na Europa. A gravadora lhe deu 15 dias para aproveitar esse triunfo e concluir um álbum. Assim, Private Dancer, lançado em maio de 1984, vendeu mais de 10 milhões de cópias, se tornando o maior sucesso de toda a carreira da cantora. O outro single do álbum, What’s Love Got to Do with It, foi seu primeiro e único número 1 na Billboard. Entre um dueto com David Bowie (o cover de Tonight, de Iggy Pop), uma enxurrada de Grammys (três em 1985) e seu papel em Mad Max, Tina Turner estava no auge de sua carreira aos 46 anos. Em setembro de 1985, o álbum seguinte, Break Every Rule, seu sexto álbum solo, foi outro sucesso estrondoso. Mesmo nos palcos, Tina bateu records, como em janeiro de 1988, quando se apresentou diante de 180.000 pessoas no mítico estádio do Maracanã, no Rio de Janeiro.

A década seguinte não foi exceção. Em 1991, Ike & Tina Turner foram introduzidos no Hall da Fama do Rock and Roll (ele estava preso, ela preferiu ficar em casa na noite da cerimônia) e, dois anos depois, suas vidas foram transpostas para a telona no filme biográfico What’s Love Got to Do with It, com Angela Bassett e Laurence Fishburne. E em 1995, Tina cantou o tema do filme GoldenEye, de James Bond, escrito por Bono e The Edge, do U2... Desde o início dos anos 2000 até sua morte, Tina Turner se apresentou ocasionalmente, lançou algumas compilações e até fez dueto com Beyoncé (Proud Mary, novamente), mas essencialmente viveu longe dos holofotes, às vezes ocupada tratando de si mesma (com o câncer, em 2016) ou enfrentando as provações da vida (suicídio do filho, em 2018). Uma vida que agora chega ao fim, mas que continuará a deixar sua marca por muitas décadas...