Um panorama sobre a trajetória arrebatadora de Elza Soares pelo “Planeta Fome” e o revival que fez com que ela fosse reverenciada ainda em vida.

Se os americanos se orgulham ao falar de Ella Fitzgerald, nós brasileiros podemos dizer que tivemos Elza Soares. Eleita pela BBC em 1999 como “a cantora do milênio”, Elza trilhou uma trajetória invejável e ímpar na frente dos palcos.

Quando paramos para conhecer a história de Elza mais de perto, não restam dúvidas de que ela nasceu para cantar - e brilhar. Filha de um operário e de uma lavadeira, a carioca teve 10 irmãos e ainda pequena começou a auxiliar a mãe nas tarefas domésticas. Ela carregava baldes d’água e quando ia colocar as latas na cabeça, fazia um ruído grave de quem levantava peso ao mesmo tempo que cantava. O pai de Elza brincava: “você vai ficar sem voz se continuar forçando ela assim”. Acontece que o tom rouco, veio a se tornar a marca registrada da cantora.

O que ela não sabia é que essa técnica vocal que fazia desde pequena é, na verdade, bem conhecida no jazz. Criada por Louis Armstrong, o scat singing é basicamente uma “imitação” de um instrumento feito com a voz, como se fosse um “solo”. E mesmo nunca tendo ouvido Louis Armstrong, ela tinha essa musicalidade dentro dela.

Nos anos 1950, logo no início da sua carreira, foi perguntada por Ary Barroso: “De que planeta você vem?”. Foi então que respondeu a frase icônica: “Eu vim do planeta fome”. Elza viveu uma infância muito dura, teve um casamento forçado aos 12 anos, perdeu o marido e 2 filhos para a fome ainda adolescente. Teve diversos contratos recusados por conta da sua cor da pele. Em 1966, se casou com o jogador de futebol Mané Garrincha, com quem teve um relacionamento conturbado já que ele era alcoólatra e chegou a abusar fisicamente dela inúmeras vezes. Em 1986, perdeu mais um filho: o “Garrinchinha”. Nesse momento pensou em desistir de vez da carreira. Chegou a trabalhar um tempo em um circo para sustentar os filhos e foi resgatada por Caetano Veloso que a convidou para gravar Língua e a colocou de volta nos holofotes.

É possível citar aqui inúmeras situações da vida de Elza que poderiam ter feito ela desistir, mas a resiliência era o seu sobrenome. Elza nunca quis ser lembrada por isso. De maneira visceral, interpretava as suas músicas como alguém que carregava nas costas toda a dor e sofrimento pelas tragédias que vivenciou, ao mesmo tempo que esboçava a alegria e o êxtase de poder cantar. Para ela, era a única coisa que importava. Ela queria cantar até o fim. E assim o fez. A sua presença de palco era imponente e mesmo depois de velhinha, quando se apresentava sentada, emocionava o público.

Com uma vida cheia de altos e baixos, ela também aprendeu a se reerguer e se reinventar não só na sua vida pessoal, como também na música. Ao longo dos 60 anos de carreira, sempre se manteve moderna e atualizada e testou de tudo um pouco: começou na bossa nova, passou pelo jazz e pelo samba, deu seus ares na música popular brasileira e até mesmo fez pontes no rock nos anos 1980 em músicas como A voz da Razão, um feat com Lobão, e Milagres, com Cazuza.