Todos os meses, a equipe editorial da Qobuz identifica os discos imperdíveis lançados em todos os gêneros. Confira aqui a seleção de março de 2024.

INDIE & ALTERNATIVO

Este é o mês de todas as possibilidades. No dia 1º, Liam Gallagher se uniu ao discreto guitarrista dos Stone Roses, John Squire, para um álbum de rock’n’roll com uma capa estranha, mas de excelente qualidade. Para os amantes de vozes femininas envolventes, a norte-americana Faye Webster lança seu quinto álbum, com um indie pop infinitamente doce. No mesmo dia, a compositora Julia Holter desenha paisagens aquáticas em constante movimento em Something in the Room She Moves, um álbum enigmático e fascinante que não deve ser perdido, com reviravoltas jazz, clássicas e vanguardistas. A compositora folk Adrianne Lenker continua sua jornada solo com o despido Bright Future, gravado em um estúdio analógico com o coprodutor Philip Weinrobe e um pequeno grupo de músicos: Nick Hakim, Mat Davidson e Josefin Runsteen.

Cantado em português, o disco de Ana Lua Caiano prova que a linguagem do pop é universal - pelo menos quando é executada de forma tão nítida e com tanta habilidade. O Gossip retorna após uma ausência de doze anos com um disco que mostra os poderes da vocalista Beth Ditto. Finalmente, um tributo emocional dedicado à parceira de composição recentemente falecida, Malegría, de Reyna Tropical, é uma obra que irradia alegria, combinando elementos de cumbia, pop e dança vibrante.

JAZZ

O mês de março foi muito movimentado no mundo do Jazz, o que reflete o extraordinário ecletismo das músicas reconhecidas hoje sob o gênero. Iniciamos com os guardiões da chama musical, desde o genial saxofonista Charles Lloyd, aos 85 anos, até o pianista Monty Alexander, de 79, cuja criatividade e maestria em seus últimos trabalhos, The Sky Will Still Be There Tomorrow e D Day, parecem atingir novos patamares. Seguindo seus passos, tanto o norte-americano Chris Potter (Eagle’s Point) quanto o francês Emile Parisien (Let Them Cook) revisitam, cada um à sua maneira, a fórmula canônica de quarteto, demonstrando que tradição e modernidade não são conceitos antagônicos. O mesmo ocorre com os contrabaixistas Christian McBride e Edgar Meyer, cujo álbum em duo But Who’s Gonna Play the Melody? ecoa como uma calorosa celebração tanto do instrumento quanto de seu legado musical.

Explorando territórios mais conceituais, o guitarrista Julian Lage lança Speak to Me, uma série de “canções sem palavras” de grande sofisticação por trás de sua aparente simplicidade. Já a cantora Norah Jones renova o seu cocktail inimitável de jazz, americana e pop, no luminoso Vision. Em outros cenários, o espectro estético se alarga desde a dupla formada pelo baterista Arnaud Dolmen e o pianista Leo Montana (LéNo), passando pelo jazz orquestral, repleto de frescor, do guitarrista suíço Louis Matute (Small Variations from the Previous Day), pelo neo-jazz-fusion sintético do alemão Janek van Laak (Circle of Madness) e pela releitura de músicas brasileiras pela Orquestra Jazz de Matosinhos, com o nome óbvio Músicas Brasileiras, Músicos Portugueses. Vale ainda ressaltar a extraordinária frescura neo-tropicalista do pianista brasileiro Amaro Freitas (Y’Y), o novo opus decididamente futurista da dupla Jahari Massamba Unit, composta por Madlib e Karriem Riggins (YHWH Is LOVE), e, finalmente, o concerto mítico dado por Alice Coltrane em 1971 no Carnegie Hall, editado pela primeira vez em sua totalidade.

MÚSICA CLÁSSICA

Um mês marcado pela juventude com o retorno de dois dos nossos Qobuzissimes: Klaus Mäkelä e Alpesh Chauhan. O primeiro, retorna à frente da Orchestre de Paris, da qual é diretor musical, com um programa suntuoso cruzando os balés de Stravinsky (Petrouchka) e Debussy (Jeux). O segundo continua sua exploração das aberturas de Tchaïkovsky em um segundo volume tão brilhante quanto o primeiro lançado em junho de 2023. Seguimos com três estrelas mundiais do canto lírico: o contratenor Andreas Scholl acompanhado da Accademia Bizantina e suas Invocazioni Mariane - louvores à Virgem Maria retirados do repertório napolitano do século XVIII, Michael Spyres, incrível barítono, lança In the Shadows, trechos selecionados de óperas francesas, alemãs e italianas do século XIX e, finalmente, Sabine Devieilhe, que se junta ao pianista Mathieu Pordoy para um recital íntimo e sensível de lieder de Strauss e Mozart. Os ouvintes mais atentos poderão desfrutar da impecável homenagem a Ligeti assinada pela nata do contemporâneo, o Ensemble Intercontemporain, dirigido aqui por Pierre Bleuse, que assina seu primeiro álbum com a orquestra desde que assumiu a direção em setembro passado. No campo instrumental, é impossível ignorar a impressionante integral para piano de Fauré oferecida pelo jovem prodígio Lucas Debargue: uma monografia em quatro volumes gravada no famoso Opus 102 de Stephen Paulello, um piano com 102 teclas. Também ficamos encantados com L’Heure bleue, o segundo capítulo do quarteto de saxofones Zahir, que nos oferece belas transcrições de obras impressionistas em uma nomenclatura raramente ouvida em disco - uma pérola absolutamente sublime.

BLUES/COUNTRY/FOLK

O irlandês Oisin Leech lança seu primeiro álbum, Cold Sea, onde sua música evoca bastante o elemento aquático e sua imensidão. Ele interpreta canções folk expansivas, contemplativas, pacíficas (como o oceano?) e arranjadas com tanto bom gosto quanto sobriedade. Também de origem irlandesa, a norte-americana Aoife O’Donovan assina com All My Friends um álbum de altíssimo nível, seguindo os passos de Joni Mitchell para o canto, com arranjos neo-clássicos de alto luxo. A blueswoman Sue Foley também faz um trabalho de interesse público em One Guitar Woman, um álbum solo dedicado às mulheres guitarristas na história do folk americano e além. Uma oportunidade de redescobrir Maybelle Carter, Lydia Mendoza, Memphis Minnie ou Geeshie Wiley. Um álbum que conquista o coração!

Em seguida, temos Sean Riley, que, vindo de Nova Orleans, lança Stone Cold Hands, um saboroso combo de música local, entre o blues e o country. No mesmo estilo de mistura audaciosa, o veterano Alejandro Escovedo se destaca com o misterioso Echo Dancing, que mistura raízes blues com sons vindos do pós-punk e new wave. Além desses, tivemos também o retorno do one-man-band blues-punk Scott H Biram, mais elétrico do que nunca em The One and Only. Para finalizar o mês, Beyoncé lança sua obra country, COWBOY CARTER, provando a todos que ela também tem lugar no gênero.

ROCK & METAL

Os grandes veteranos estão de volta neste mês de março e eles estão arrasando. Liderados por Bruce Dickinson e seu Mandrake Project, lançado quase duas décadas após seu último álbum solo, seguido por Judas Priest, rei incontestável do heavy metal, lança Invicible Shield de uma potência rara, tão contemporâneo quanto respeitoso com o legado da banda. O Ministry continua sua inenarrável busca por bater em todos os poderosos deste mundo com seu HOPIUMFORTHEMASSES, ancorado em questões muito “século XXI”. Os fãs de rock vintage, repleto de groove e espírito americano, vão se alegrar com o retorno dos irmãos Robinson: The Black Crowes estão em plena forma e provam isso lançando Happiness Bastards, que ressoa com um som inédito após 15 longos anos de silêncio em estúdio. O silêncio, entretanto, é o que se espera do Sum 41 após o lançamento do que a banda anunciou como seu presente de despedida: um álbum duplo intitulado Heaven :x: Hell, com cores diferentes de um lado mais rock e do outro mais metálico. Além desses, Glasgow Eyes, com fortes sintetizadores e guitarras frias, marcam o retorno ao estúdio após sete anos de ausência dos incansáveis escoceses The Jesus And Mary Chain. Um programa e tanto.

MÚSICA ELETRÔNICA

No campo da música eletrônica, neste mês não se pode perder o álbum totalmente vanguardista da americana Jlin, que lança Akoma pela Planet Mu, gravadora de Mike Paradinas, com luxuosas participações especiais como Björk, Philip Glass e Kronos Quartet. Após percorrer os palcos do mundo todo com Skrillex e Fred Again, o produtor inglês Four Tet volta ao ambient em Three, um álbum onírico no qual ele mais uma vez exibe sua arte de colagem sonora. Em turnê para celebrar os 20 anos de seu álbum Moon Safari, Nicolas Godin e Jean-Benoît Dunckel, as duas cabeças do Air, aproveitam para lançar uma versão especial do disco que os tornou famosos, com demos e raridades. E é claro, é preciso ouvir o delicioso primeiro álbum de Bolis Pupul, que foi em busca de suas raízes em Hong Kong em Letter to Yu, produzido pela mais dançante dupla da Bélgica, o Soulwax.

SOUL/R&B

Enquanto Beyoncé se aventura no country, outra diva faz ecoar o R&B com tendências pop, Ariana Grande. Seu sétimo álbum, eternal sunshine, é surpreendentemente rico em orquestrações de cordas e arranjos elaborados, com desvios como o single yes, and?, que perpetua a influência da house music no gênero. O novo EP do 24kGldn, Growing Pains, também se destaca com dois singles, “Good Intentions” e “Clarity”, em um R&B que flerta constantemente com o rap.

Ela alcançou o sucesso muito cedo, aos 15 anos, e talvez essa seja a razão de sua grande maturidade artística. Kodie Shane lança o EP Young Hot & Vulnerable, com oito faixas descontraídas e sensuais, incluindo um possível sucesso, “Pull the Car Around”. Num classicismo assumido e dominado, Kenyon Dixon lança The R&B You Love: Soul of The ‘70s, contendo o enorme sucesso “Lucky” e seu solo de guitarra inflamado. Uma homenagem suave e astuta aos grandes mestres. Um projeto que está em uma esfera completamente diferente é o de Gary Clark Jr., intitulado JPEG RAW, que incorpora influências do rock na faixa “Maktub”, apresenta uma fusão dançante de pop soul em “JPEG RAW”, e solos de blues marcantes em “Hyperwave”.

Bolis Pupul, The Jesus And Mary Chain, Norah Jones, Amaro Freitas & Adrianne Lenker, Illustration by Jess Rotter for Qobuz.