Dentre as diversas mudanças ocorridas no começo do século XX, uma das mais importantes foi a popularização do acesso à energia elétrica. Com ela, vieram invenções como a lâmpada, o rádio e, em alguns círculos artísticos, instrumentos musicais eletrônicos. Theremins, telarmónios e ondas martenot foram alguns dos instrumentos criados na época. Por suas sonoridades e formas de tocar bastante particulares, geralmente ficavam reservados à música avant-garde e posteriormente à trilha sonora de filmes, em especial àqueles de ficção científica, como The Day The Earth Stood Still (O Dia Em Que a Terra Parou, em português), de 1951.
Esses foram alguns dos precursores do sintetizador. Enquanto instrumentos orgânicos como o piano e o violão geram som por meio da vibração de suas cordas, o sintetizador faz uso de osciladores e/ou chips para gerar notas e timbres, sendo assim, quem executa o instrumento tem controle sob parâmetros específicos para gerar sonoridades únicas.
Apesar de existirem desde a década de 1930, a virada de chave para a popularização dos sintetizadores aconteceu nos anos 1960, com a invenção do sintetizador Moog, criado pelo estadunidense Robert Moog. Apesar de não ter sido o único e nem o primeiro sintetizador criado (esse título vai para o soviético Yevgeny Murzin e o seu sintetizador ANS, de 1937), o Moog se diferenciava dos seus concorrentes por ser mais acessível aos músicos. O uso de teclas de piano para controle e execução do instrumento tornou esse sintetizador mais amigável para pianistas, além de ter apresentado componentes como filtros, envelopes (parâmetros que determinam como uma nota começa e termina) e geradores de ruídos que são padrão no mercado até hoje.
Foi o disco Switched-On Bach, de Wendy Carlos, lançado em 1968, que mostrou ao mundo que o sintetizador poderia ser muito mais do que uma máquina de gerar ruídos aleatórios. O disco da compositora, que é uma série de regravações de peças de Bach feitas com o Moog, ganhou três Grammys e foi o primeiro álbum de “música clássica” a ganhar um disco de platina. Wendy influenciou grupos como The Monkees, Beatles e The Doors a buscarem sintetizadores para suas gravações, embora o grupo que mais explorou o instrumento na época foi de longe Emerson, Lake & Palmer. A presença do enorme instrumento no palco (o Moog original possuía mais de 2 metros de altura e pesava mais de 70kg) tornou-se uma marca registrada da banda, além das performances flamboyant do tecladista Keith Emerson. No livro Analog Days, os escritores Trevor Pinch e Frank Trocco afirmam que: “Keith Emerson fez para o sintetizador o que Jimi Hendrix fez para a guitarra”.
Os anos 1970 viram o auge do Moog, especialmente devido à criação do Minimoog, sua versão mais compacta e barata. Com o surgimento de companhias concorrentes como a ARP Instruments e a Electronic Music Studios (EMS), os sintetizadores começaram a ganhar uma gama ainda maior de possibilidades sonoras, cada um com características distintas. Nessa época, os grupos de art e prog rock começaram a fazer uso extenso desses instrumentos, com destaque para Yes, Genesis, Pink Floyd e Tangerine Dream.
Foi também na década de 1970 que os sintetizadores começaram a ser ouvidos nos discos da música popular brasileira. Se antes eles eram principalmente destinados a uso em universidades e na música eletroacústica, foi nesse período que finalmente as gravadoras e grandes estúdios conseguiram importar os sintetizadores da Europa e dos EUA, dando suas caras principalmente nos discos de bandas de rock progressivo da época, como Os Mutantes, Casa das Máquinas e O Terço. Além deles, podemos escutar sintetizadores em discos clássicos como Coração Selvagem, de Belchior, Falso Brilhante, de Elis Regina, Calabar, de Chico Buarque e Minas, de Milton Nascimento.
Foi somente nos anos 1980 que os sintetizadores se firmaram de vez no cânone da música pop mundial. O surgimento de samplers como o Fairlight CMI, além dos sintetizadores digitais como o Yamaha DX-7, trouxe ainda mais variedade à paleta sonora desse instrumento, além de baratear os custos. Os sintetizadores dessa época são a base da música pop dos anos 1980, como Madonna e Kate Bush, além do new wave de Billy Idol e dos Talking Heads. Até mesmo os grupos de hard rock, como o Van Halen, queriam uma fatia desse bolo.
No Brasil, não foi diferente. Com o fim da ditadura militar e uma nova facilidade em importar equipamentos do exterior, os sintetizadores tornaram-se lugar comum no país. De Gonzaguinha, passando por RPM e chegando até Caetano Veloso, os arranjadores e produtores começaram a explorar extensivamente esses timbres, inspirados no pop estadunidense.
Lincoln Olivetti foi referência, quando o assunto é sintetizadores, por décadas no Brasil. O produtor e arranjador carioca conseguiu trazer os melhores modelos de sintetizadores do exterior, sendo ele o único que possuía alguns deles em todo o país. Assinando arranjos de hits de Rita Lee, Sandra de Sá, Gilberto Gil e diversos outros, Lincoln acabou se tornando um dos mais requisitados e bem sucedidos arranjadores da história da MPB.
Claro que toda grande invenção encara polêmicas. Com o surgimento de novas tecnologias, cada vez mais sintetizadores eram capazes de mimetizar instrumentos orgânicos como violão, flauta e piano, tornando-se uma ferramenta perfeita para projetos de trilha sonora. Assim como o surgimento do áudio no cinema fez com que os músicos do cinema mudo perdessem seus empregos, os sintetizadores mudaram a relação entre compositores e orquestras, já que agora era possível atingir sonoridades parecidas por uma fração do custo. Num episódio que é bizarro de se imaginar hoje, a Musician’s Union (o sindicato dos músicos) dos Estados Unidos passou a não reconhecer sintetizadores como um instrumento protegido pela instituição em 1982, com o objetivo de proteger a carreira dos músicos de instrumentos tradicionais. O banimento durou até 1997.
Hoje, os sintetizadores retrô estão de volta à moda. Seja no indie de Mac DeMarco, na trilha sonora de Stranger Things ou no pop de Dua Lipa, os sintetizadores analógicos e digitais dos anos 1970 e 1980 são hoje vistos como relíquias. Se antes eles eram acusados de serem « frios », hoje muitos artistas reinterpretam essa sonoridade com nostalgia, além de terem um outro olhar sob a imperfeição da tecnologia da época. Além disso, o surgimento de sintetizadores virtuais (softwares que emulam os sons dos sintetizadores em um computador ou celular) tornou sintetizadores que antes teriam o preço de um carro popular em um recurso que pode custar bem menos que um salário mínimo.
Se hoje a inteligência artificial intimida as pessoas, os sintetizadores fizeram o mesmo 50 anos atrás, da mesma forma que máquinas de tear assustaram funcionários da indústria têxtil no final do século 19. Os sintetizadores foram uma invenção fundamental para a formação da música pop do século XX, possibilitando o surgimento de gêneros como a música eletrônica e o hip hop, além de revolucionar outros já existentes, como o rock e o pop. Mais do que confrontar e inquietar nossos preceitos, tecnologias podem criar todo um novo (e imprevisível) segmento.