AS PALAVRAS, VOL. 1 & 2

Resenha do Álbum

Se um alienígena azul felpudo aterrizasse na tua janela e te perguntasse “O que é o Brasil?”, o que você responderia? É com essa missão que Rubel retorna, depois de 5 anos do lançamento de Casas (2018), com o disco duplo As Palavras I & II. Para tecer esse Brasil particular, o carioca escalou 10 feats de peso que o ajudaram a costurar ao longo de 20 faixas - separadas em dois volumes - esse retrato que tem cor, sentimento, som e, se a gente fechar os olhos e imaginar, até cheiro. 

O álbum abre com Forró Violento, uma vinheta instrumental rebuscada regada a violinos que se juntam a um coral feminino. O tema poderia facilmente estar na abertura de um filme de aventura ou de um episódio do icônico Castelo Rá-Tim-Bum. Inclusive, são esses interlúdios que estão presentes tanto no disco I, quanto no disco II de As Palavras, que são responsáveis por ambientar e trazer um clima cinematográfico para o álbum. Dentre eles, os que mais se destacam são Vinheta As Palavras I e Vinheta as Palavras II, duas faixas que têm como protagonistas (possíveis) áudios de WhatsApp sobre a língua portuguesa floreados por um sample do soul Oh Honey, da banda Delegation. Essas “pausas” entre as músicas também ajudam as faixas, que permeiam diferentes gêneros musicais, a se conectarem. 

Em termos de sonoridade, As Palavras I e II navega tanto por territórios adentrados antes por Rubel como a MPB e o samba, como também nos surpreende ao explorar o funk e o forró. PUT@RIA, funk em conjunto com BK, Gabriel do Borel e MC Carol, é um das músicas que mais estica a corda do universo artístico de Rubel. Já Rubélia, produzida pelo duo paulista Deekapz, surpreende por apresentar um Brasil underground representado por uma colagem instrumental de samples que passam por batidas de funk e flertam com o downtempo e o trip hop. 

Outro mérito de Rubel nesse trabalho são as escolhas dos feats. São eles que dão o embasamento necessário para que o carioca adentre esses novos territórios, mas para que também sinta-se em casa em outros momentos. As Palavras, parceria com Tim Bernardes, foi um dos mais aguardados do álbum. A música é uma carta de amor à língua portuguesa, onde Tim e Rubel fazem jogos com as palavras que começam com as letras P, C, B, M, enquanto são acompanhados de um instrumental esquisito. Também não há como deixar de citar a comovente Torto Arado, feat com Luedji Luna e Liniker, que faz uma ponte com o livro de mesmo nome, retratando um Brasil rural e escravagista. 

Se Torto Arado emociona, Lua de Garrafa segue na mesma levada. A faixa é cantada em conjunto com o célebre Milton Nascimento e traz um gostinho do Clube da Esquina para dentro do álbum. Ainda é preciso citar Assum Preto, versão da música de Luiz Gonzaga, cantada praticamente à capella por Dora Morelenbaum, e Grão de Areia, um samba pop guiado por Xande de Pilares. 

Dos poucos momentos “solo” de Rubel em As Palavras I e II, vale citar Não Vou Reclamar de Deus, um samba “com a cara de Rubel”. A canção remete a faixas de Casas (2018), com vocais femininos ao fundo e metais enérgicos, onde ele canta: “samba, malandragem, forró, saudade, milagre, João, foi aqui que se inventou, nada é melhor que o Brasil”. Dos trabalhos anteriores, ele também trouxe na bagagem um dos seus maiores trunfos: a lírica, que continua brilhando e demonstrando toda paixão que o carioca nutre pela língua portuguesa desde Pearl (2013). Juntando essas qualidades de Rubel com as do elenco que ele reuniu em As Palavras I e II, é possível afirmar que ele alcançou o seu objetivo de apresentar um recorte de Brasil, nesse disco que tem tudo para figurar entre os melhores de 2023. © Nathalia Pádua  - Bananas/Qobuz