Considerado um dos álbuns mais esperados do ano pela Pitchfork, o maestro brasileiro de jazz Amaro Freitas quebra as convenções em “Y’Y”.

Há um momento durante Y’Y, o deslumbrante novo álbum do pianista e compositor de jazz brasileiro Amaro Freitas, aparentemente projetado para ressoar em nossos tímpanos e chocar nossa mente. Isso acontece na metade da aventura de oito minutos “Dança dos Martelos”, depois que Freitas já ofereceu três peças magistralmente tocadas no piano e piano preparado. Abrindo com a flutuante e refrescante “Mapinguari (Encantado da Mata)”, Freitas passa para uma exploração melódica hipnótica de quatro minutos com o piano como tambor em “Uiara (Encantada da Água) – Vida e Cura” e então chega a vez de “Viva Naná”, que imita com chocalhos, assobios, percussão e voz os sons da bacia amazônica.

Após provar suas habilidades no piano, na metade da suavemente percussiva “Dança dos Martelos”, Freitas se solta e começa a bater vigorosamente sua mão nas teclas como se estivesse em desgosto. Ele golpeia as notas como se estivesse usando uma faca. Como se estivesse perdendo o controle, ele e a banda mergulham em uma melodia incessante e repetitiva, constantemente interrompida por um acesso de raiva. Esses agrupamentos rítmicos, ao mesmo tempo uma afirmação e uma negação, são os mais chocantes e marcantes neste álbum denso de jazz piano destemido e sublimemente dinâmico.

O terceiro álbum do artista chega três anos após o aclamado Sankofa ter figurado em muitas listas de fim de ano. Nesse trabalho, Amaro Freitas, que nasceu e cresceu no extremo leste do Brasil, na cidade de Recife, interagiu com uma seção rítmica para apresentar oito odes a diferentes músicos brasileiros.

Amaro Freitas- Abertura do Carnaval de Recife 2024. Homenagem a Naná Vasconcelos

Amaro Freitas

Para o Y’Y, Freitas fixou sua visão temática na bacia amazônica e no povo indígena Sateré-Mawé da região. Mesmo longe de Recife, o ambiente inspirou o pianista a experimentar “um novo reino de criação musical, enraizado na magia e na possibilidade e temperado por um senso de administração das generosidades da terra...”. Ele entrou no estúdio com um grupo de peso, muitos dos quais ele conheceu durante a turnê de Sankofa: o flautista-saxofonista Shabaka Hutchings (Sons of Kemet, The Comet is Coming), a harpista Brandee Younger (Makaya McCraven, Meshell Ndegeocello), o guitarrista Jeff Parker (Tortoise, Isotope 217), o baterista Hamid Drake (Don Cherry, Herbie Hancock) e o contrabaixista cubano Aniel Someillan.

Em “Uiara”, Freitas guia um arco eletrônico pelas cordas do piano como uma forma de “gerar ruídos como o do boto cor-de-rosa”, conforme explicado nas notas de lançamento. Em outra parte, Freitas usa fita adesiva para distorcer as cordas do piano “para emular o som de sintetizadores” e, de outra forma, mexer com a mecânica de seu instrumento. “Mar de Cirandeiras” vibra como uma peça de jazz ambiente da ECM de meados dos anos 1970, repleta de vocalistas sinistros à la Eberhard Weber. Amaro toca as teclas tão suavemente em alguns pontos que é possível ouvir o contato do martelo, mas não a reação da corda.

Em meio a todos esses elementos, o pianista cria milagre após milagre. É raro um álbum de jazz para piano como Y’Y - cheio de tanta energia espontânea, com tantas habilidades de tirar o fôlego e uma abordagem tão singular. Repleto de tantas reviravoltas como um filme de Quentin Tarantino, Y’Y é um disco para se perder. Ouça alto e com intenção.