Um panorama que remonta momentos cruciais para a criação do BRock em paralelo com o fim da ditadura militar e a redemocratização do Brasil nos anos 80.

Os anos 80 foram marcados pelo caos devido ao enfraquecimento do regime militar e o processo de redemocratização do Brasil, que vivia uma grande crise econômica. É nesse cenário que nasce o BRock, a primeira cena de rock nacional. O Brasil teve bandas e artistas de rock anteriormente, mas foi só a partir dessa época que foi possível apontar a existência de uma cena sólida, formada por nomes como Legião Urbana, Os Paralamas do Sucesso, Titãs, Barão Vermelho, Blitz, Plebe Rude e Camisa de Vênus.

O BRock acontece por influência direta dos movimentos punk e “Faça Você Mesmo”, que diziam que qualquer um poderia fazer música e desprezavam o virtuosismo. Apesar das bandas mais expoentes do rock brasileiro não serem punk e o som ter mais elementos de gêneros posteriores (principalmente a new wave e o pós-punk), a influência é notável, especialmente em discos como Cabeça Dinossauro (1986), dos Titãs, e Legião Urbana (1985), da Legião Urbana.

Se a Jovem Guarda foi caracterizada pelas músicas românticas e a psicodelia dos anos 1960 e 70 desafiava o regime militar através das letras e performances, o BRock começa confuso e desesperançoso e, com o fim definitivo da ditadura, torna-se mais vocal a respeito do que incomoda. É claro que nem todas as bandas da época usaram a música para se manifestar sobre política, mas este continua sendo um tema recorrente e que marca os trabalhos mais notáveis do BRock.

Outra característica das letras da época era um deboche quase niilista, reflexo do sentimento da juventude e motivo do sucesso avassalador entre os jovens e das críticas entre a mídia especializada e a elite cultural. Como todo movimento de ruptura (assim como a Tropicália), o BRock acabava por dividir opiniões.

O álbum que inaugura o gênero é As Aventuras da Blitz, lançado em 1982 pela banda carioca Blitz. O disco vem depois do sucesso do compacto Você Não Soube Me Amar, que emplacou música na novela "Sol de Verão" e colocou a banda na boca do povo. Na mesma semana a banda Barão Vermelho, que uniu Cazuza e Frejat, também lançava seu primeiro disco homônimo. Ainda no Rio de Janeiro, que graças à cena efervescente e ao Circo Voador foi um dos epicentros do BRock, Os Paralamas do Sucesso também iniciavam suas atividades oficialmente e Lobão (ex-Blitz) fazia seu nome como artista solo.

Em 1984 a insatisfação dos brasileiros com o atual regime atingia seu ápice e o movimento Diretas Já tomava as ruas. Em São Paulo, os Titãs sentiram o gostinho do sucesso com Sonífera Ilha, o Ira!, descobertos por Pena Schmidt, gravava e lançava seu primeiro compacto e o RPM também dava seus primeiros passos com Louras Geladas.

1985 traz o fim definitivo do regime militar e a eleição indireta de Tancredo Neves como novo presidente do Brasil, mas sua morte prematura logo após ser eleito coloca o país em uma atmosfera ainda mais nebulosa. É em meio à essa virada na História que o Legião Urbana lança o seu primeiro álbum homônimo, que ainda trazia muito do punk do Aborto Elétrico, antiga banda de Renato Russo. O disco contém hits como Será e Ainda é Cedo, além de Geração Coca-cola, crítica à ditadura militar e como foi crescer durante o período.

Outro momento importante foi a saída de Cazuza do Barão Vermelho e a decisão do cantor de seguir carreira solo em meio ao processo de gravação de Maior Abandonado, álbum que viria a ser o maior sucesso da banda. No final de 1985, Exagerado, primeiro álbum de Cazuza, chega às lojas. O álbum apresenta músicas que haviam sido compostas para o Barão Vermelho e traz mais da sonoridade e da estética da MPB, pela qual o cantor era fascinado e que não tinha muito espaço dentro da banda.

É também no fim de 1985 que Tony Bellotto e Arnaldo Antunes, dos Titãs, acabam presos por porte de drogas, acontecimento que norteou o processo criativo da banda e gerou Cabeça Dinossauro. O álbum foi lançado em junho de 1986 e catapultou a banda para o sucesso de público e crítica. O material aborda temas polêmicos como política, truculência policial e religião sem economizar nas palavras e no peso do instrumental, que puxa bem mais para o punk que os trabalhos anteriores do octeto.

1986 viu nascer trabalhos fundamentais para o BRock: Dois, do Legião Urbana, mais lírico que seu antecessor; Vivendo e Não Aprendendo, do Ira!, tido até hoje como o melhor da banda paulistana; Selvagem?, dos Paralamas do Sucesso, que contém parceria com Gilberto Gil e O Rock Errou, de Lobão, que alfineta não só o rock brasileiro, mas também a ditadura e diferentes instituições internacionais e tem participação de Elza Soares. Que País É Este?, álbum do Legião Urbana de 1987, dá o tom da situação do Brasil à época: militares anistiados depois de 20 anos de ditadura que matou e torturou cidadãos e população ainda sem poder exercer seus direitos democráticos. Além da faixa-título, o disco conta com Faroeste Caboclo, música emblemática na cultura pop brasileira.

O fim da década é marcado pela nova Constituição, aprovada em 1988. Também é em 88 que Cazuza mostra ao mundo sua faceta mais engajada politicamente, além de abordar seu diagnóstico de AIDS. Ideologia, terceiro álbum do cantor, tem músicas icônicas como a faixa título e Faz Parte o Meu Show, além de Brasil, escrita por Cazuza depois de ouvir Que País É Este?.

Em 1989 o Brasil viu sua primeira eleição direta pós-ditadura, na qual Fernando Collor foi eleito. Com a morte de Cazuza, Burguesia é lançado postumamente e é o álbum do compositor em que sua veia politizada mais aparece. As Quatro Estações, do Legião Urbana, também é do mesmo ano e foi o maior sucesso da banda brasiliense, e mantém a característica lírica de Renato Russo de equilibrar introspecção e críticas sociais.

Apesar de ter sido taxada de inerte, a geração BRock reflete seu tempo e o peso de crescer em meio à uma ditadura. A política pauta a música, que pode ser usada para traçar a linha do tempo da época, mas não só. Afinal, a juventude é muito mais que os conflitos sócio-políticos que a cercam.