No Tempo da Intolerância

Resenha do Álbum

No Tempo da Intolerância é o último disco da carreira de Elza Soares. A carioca, que partiu aos 91 anos, deixou praticamente todo gravado o seu último álbum, que foi lançado postumamente, um ano e meio depois da sua morte em janeiro de 2022. 

A missão de colocar em prática o conceito do disco pensado por Elza ainda em vida foi dada a Rafael Ramos, produtor da Deckdisc, que já havia trabalhado com ela em Planeta Fome (2019) e em Ao Vivo no Municipal (2022). A carioca queria que No Tempo da Intolerância fosse um álbum composto só por letras de mulheres e que tivesse uma sonoridade que se afastasse do samba, gênero pelo qual ela ficou conhecida. 

O álbum, que foi lançado no dia em que Elza completaria 93 anos, carrega 10 faixas inéditas compostas por mulheres com letras de cunho político e questionador que passam com seriedade por temas como o racismo, os recortes dentro do feminismo, a pobreza e situação social e política brasileira da época. 

Na faixa Coragem, ela canta: “se quem cala consente, a minha boca vai continuar sendo uma arma letal”. A composição dessa faixa e das outras 5 primeiras do álbum são todas de Elza - o que não era tão comum na carreira da cantora, que ficou conhecida por ser uma grande intérprete. Já a segunda parte do álbum tem letras inéditas escritas por artistas como Rita Lee (Rainha Africana), Josyara (Mulher Pra Mulher) e Pitty (Feminelza). Além de interpretações de Dona Ivone Lara e Isabela Moraes. Todas músicas tem cunho político exceto “Te Quiero”, um bolero romântico, e também uma das favoritas de Elza no álbum.

Embora carregue letras políticas e densas, No Tempo da Intolerância é alegre e dançante em termos de sonoridade. O disco é redondo e tem a grande maioria das suas faixas groovadas calcadas em ritmos como o soul e o funk. Além de muito afrobeat regado por metais e percussões, como é o caso de Coragem, um dos pontos altos do disco. Há apenas duas faixas no álbum que saem desse contexto musical, elas são Te Quiero, um bolero, e Rainha Africana, homenagem a Elza escrita por Rita Lee e que tem melodia de Roberto de Carvalho, a faixa utiliza de violinos e tem um tom épico, que embora não combine com o restante do disco, faz sentido com a letra da música. 

Apesar de ter sido gravado quando Elza tinha mais de 90 anos e já estava bem cansada, o disco não perdeu no quesito voz e nem em conceito. Nos Tempos da Intolerância é um álbum que faz juz à carreira triunfal da “voz do milênio”. Elza cantou (e lutou) até o fim. E ouvir ela ainda é de arrepiar. © Nathalia Pádua  - Bananas/Qobuz